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Observatório Psicanalítico OP 523/2024

Ensaios sobre acontecimentos sociopolíticos, culturais e institucionais do Brasil e do Mundo 

Sobre amor e nomes 

Vanessa Corrêa – SBPSP

Recebi meu nome aos seis anos, ao entrar na escola. Até então eu mesma tinha me nomeado e todos me chamavam do que escolhi: Tetê. 

No primeiro dia de aula a professora perguntou como eu me chamava e me recusei a responder “Vanessa”, eu só podia ser Tetê, era quem eu era. Ponto. Ela disse: – mas preciso saber seu nome para ver em qual classe está (eram três turmas misturadas). E, num ato de calculada rebeldia, decidi não falar, então ela não insistiu e foi chamando pelas outras crianças com nomes que coincidiam com os da folha de chamada que estava nas mãos dela, enquanto secretamente me gestava em uma estratégia: ao fim, quando só sobrara eu, ela sentenciou: você é a Vanessa, você é minha – e vencida pela ternura dos seus lábios eu fui, pela primeira vez, batizada. 

Eu era dela, e foi assim que amei – da forma mais pungente, com plena consciência- aquela mulher que me esperou. E como consequência, meu amor se espalhou pela escola toda e pelas matérias que nunca mais deixei de amar, pela vida.

Eu precisava existir à partir de um nome vindo de fora, era assim que funcionava, descobri mais tarde, Freud me contou, ao falar sobre narcisismo e que “é preciso amar para não adoecer”. É preciso receber algo de um outro, que não escolhemos e que forja a nossa identidade e nos dá contorno. 

No exercício diário da psicanálise, nos meus melhores dias, tenho esperado por meus pacientes e perguntado: quem é você? Uma mulher, uma criança, uma ferida sangrando? Vamos descobrir seu nome, pois se pudermos pronunciá-lo e você finalmente se reconhecer nele, nascerá a possibilidade amar e de ter uma história. Essa história que brota no vão entre o dentro e o fora, entre subjetividade e alteridade e que te dá existência, mas só se tiver o tempo e a ternura. Isso é não adoecer.

Existe um conto dos irmãos Grimm em que uma rainha, para escapar da morte, em uma troca de favores, promete seu primeiro filho a um duende. Porém, quando nasce a criança, ela se recusa a entregá-lo e oferece toda a sua riqueza ao homenzinho, que diz: não quero riqueza, quero que você adivinhe meu nome, só assim não levarei a criança. 

Com artimanhas, a rainha descobre que ele se chama Rumpelstiltskin, e assim salva o bebê. O mal precisa ser nomeado para se aplacar. Sabemos disso em situações extremas, quando, por exemplo, a violência explícita é desmentida por um governo, por uma instituição, por uma família e depois tantos lutam para resgatar a memória e nomeá-la. 

Sabemos da importância da simbolização e das relações de objeto, e que ao simbolizar, podemos promover a integração e permitir continuidade da narrativa.

Portanto, se depois de um desfile de nomes, pacientemente pudermos falar: essa pessoa é você? Essa é a sua história? E aceitarmos o sim ou o não – aceitarmos que ninguém pode receber nomes ainda não gestados- talvez o feitiço seja quebrado e as crianças sejam salvas, talvez restauremos assim a capacidade de amar: a do paciente e a nossa. Eu já sabia disso desde os seis anos, mas só hoje pude pronunciar. 

(Os textos publicados são de responsabilidade dos autores)

Categoria: Cultura

Palavras-chave: psicanálise, Freud, narcisismo, nome próprio 

Imagem: foto da autora 

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Categoria: Cultura
Tags: Freud | narcisismo | nome próprio | Psicanálise
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